Para o promotor de justiça Roberto Livianu o sigilo das relações entre os advogados e seus respectivos clientes não passa de um "entrave" para o combate ao crime. Agora, uma análise pró-liberdades individuais da entrevista de Dr. Leviano ao Consultor Jurídico:
O mundo vive um momento de excessivo individualismo. As questões públicas não fazem parte da agenda do brasileiro. (...) Em países europeus, as pessoas se engajam, denunciam e se preocupam com as questões da comunidade. Há uma democracia participativa num sentido profundo, verdadeiro e pleno.
Caro sr. Livianu, as pessoas não se engajam em questões públicas como bibliotecas, praças públicas e outros por justamente não serem individualistas o bastante para considerar tais equipamentos públicos como propriedade sua. Se todos os brasileiros considerassem as calçadas como de sua propriedade, certamente não haveria calçadas sujas, desalinhadas e com outras mazelas que atormentam a vida do pedestre. A chave para a preservação de objetos é o sentimento de propriedade sobre estes, ainda que como proprietário de uma fração, algo que ocorre com as empresas listadas na Bolsa, para citar apenas um exemplo.
Não apenas. Outra faceta do problema é a questão dos privilégios. A Constituição prevê o princípio da igualdade como direito fundamental. Se perguntarmos a opinião da população sobre o princípio da igualdade, a maioria vai dizer que é um princípio fundamental, nobre e importante. Se reformularmos a pergunta para saber o que acham de receber privilégios, a opinião já não será a mesma. As pessoas gostam de privilégios. As empresas fundamentam as suas campanhas de marketing nos privilégios que o produto ou o serviço pode oferecer. O problema é que privilégios vão contra as conquistas democráticas. Em uma sociedade fundada no privilégio e que não se preocupa com o coletivo, é difícil imaginar que o combate à corrupção será um item prioritário.
O princípio da igualdade é o princípio que diz que o Estado deve tratar igualmente todas as pessoas quando estas realizarem transaçãoes com entes governamentais, impedindo que pessoas ou grupos de pessoas possam ter acesso negados aos serviços estatais. E sim, as pessoas não são iguais e nem poderiam ser já que todos nós somos sujeitos a uma incrível loteria genética antes mesmo de nascer. Isso para não falar em condições geográficas, culturais e financeiras que diferenciam as pessoas, sem, contudo, fazer delas pessoas piores ou melhores. Mas é lógico que os produtos oferecem comodidades e serviços, e não privilégios, ou por acaso, quem tem celulares Nokia recebe precatórios mais rápidos do que os donos de telefones Motorola. Agora, quem define privilégios é o Estado, ao conceder gratuidades de toda sorte, incentivos para todo e qualquer espetáculo cultural impregnado de esquerdismo. Se o Estado fosse cego as diferenças das pessoas, a corrupção seria bem menor. E se as pessoas percebessem que o Erário a elas pertecem, a corrupção seria minúscula.
Infelizmente as pessoas não compreendem que o direito de um termina quando começa o do outro. Passeiam com seu cachorrinho e não recolhem as fezes dele. (...) Na questão da criminalidade é a mesma coisa. (...) Colocam grades nas janelas, blindam o carro e desprezam o indivíduo que pratica o crime. Querem distância.
As pessoas não recolhem o cocô dos cachorros por não terem a noção de que a calçada lhes pertecem, visto que na suas casas, o cocô é imediatamente recolhido. E também porque os outros usuários do equipamento público "batizado" pelo animalzinho não se sintam ofendidos com aquilo, porque, também, eles não percebem o tal equipamento público como seus. Então está combinado!
Quando aquele casal de adolescentes foi assassinado em Embu-Guaçu, o Champinha foi satanizado. A Hebe Camargo, em rede nacional, disse que queria cortar pedacinho por pedacinho dele. (...) O fato é que ele era um menino pobre, que não teve dinheiro para pagar escola particular e que tinha desvio de comportamento.
O quê? Nós devemos, então, paparicar uma pessoa que abusou sexualmente por horas uma guria de 16 anos e depois a matou com vários golpes de faca Liana Friedenbach; sorte foi do namorado dela, Felipe Caffé, que teve uma morte rápido. E o que o senhor queria que a Hebe dissesse: "ai Champinha vem morar comigo. Te dou cama, comida e roupa lavada mais alguns relógios suíços que o meu joalheiro vende". Menino pobre por menino pobre que não estuda em colégio particular, o Brasil tem aos milhões. Mas a decisão de violentar sexualmente uma pessoa e matar duas é uma decisão individual, não coletiva.
A palavra chave no combate à corrupção é transparência. Ou seja, o sigilo precisa ser absolutamente excepcional. Essa é a ótica que deve prevalecer. (...) No entanto, aqueles que se desviam do exercício regular da profissão e se utilizam das prerrogativas para contribuir com o crime organizado precisam ser responsabilizados. Trocando em miúdos, o sigilo não pode ser blindagem que traga impunidade e imunize essas pessoas diante da lei. Isso é inadmissível.
Chegamos ao nó górdio do artigo da entrevista com o sr. Livianu. Foi ele que disse que o sigilo precisa ser absolutamente excepcional. Agora, se o sigilo é uma exceção, que de acordo com o dr. dificulta o combate a criminalidade, juntamente com o "individualismo", por que então não acabarmos de vez com o sigilo entre o advogado e seu cliente. O que seria exatamente um "desvio do exercício regular da profissão"? Defender pessoas que alguém pré-julge culpado? Como saber exatamente se um advogado pode estar sendo usado, sem que este o saiba, para auxiliar alguma coisa que se supõe ser ilícita? Quem sabe ensinemos nas faculdades de Direito como decifrar mensagens em códigos para familiares ou então que os advogados utilizem de detectores de mentira. Vamos mais longe, por que não o advogado já dar a sentença quando um cliente chega ao seu escritório? Desafogaria o sistema de justiça criminal.
O sigilo das comunicações entre um advogado e seu cliente é peça fundamental para uma prestação jurisdicional eficiente e correspondente aos direitos individuais para quais o Estado foi criado para protegê-los. Sem confiança total entre advogado e cliente, toda a Justiça fica a perigo de arbitrariedades e julgamentos à la Processos de Moscou. É preferível que uma pessoa maliciosa se utilize deste sigilo do que abrir perigosas brechas que podem afetar todas as pessoas numa determinada jurisdição. Mil vezes 100 culpados soltos do que 1 inocente preso.
A democracia precisa que este sigilo esteja totalmente protegido, tanto pela lei, como pelas consciências alheias.
Comentários