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Quando a tecnologia coopera

No último post, eu falei sobre pessoas bravas e honradas que não permitem o uso da tecnologia para violar a privacidade alheia. Agora, a própria tecnologia não consegue violar a privacidade alheia, destarte o furor das pessoas em colocar o sistema em uso. A tal tecnologia em questão é o medonho Projeto Presença, um megasistema estatal de controle de freqüência escolar nas escolas públicas brasileiras.

Uma reportagem do Zero Hora de hoje mostra que tal Projeto foi simplesmente abandonado e que os aparelhos doados pelo Ministério da Educação para tal violação de privacidade estão sucateados e guardados. No dia 29 de março de 2006, 94 escolas públicas de Capão da Canoa e de Gravataí receberam os tais aparelhinhos. 15 meses depois, tais aparelhos estão num armário, e estãol estragados. Como disse a diretora da escola Luiz Moschetti, Lurdes Silva: "[h]avia dias em que o sistema funcionava, outros em que não. Em dezembro, parou de vez. Ficaram de trocar o leitor óptico, mas ninguém apareceu, e não sei se vão aparecer algum dia". Já no Instituto Educacional Riachuelo, um dos maiores do Litoral Norte, sequer todos os alunos tinham o bendito cartão e o leitor fica dentro de uma caixa de metal cuja chave se perdeu. Para a secretária escolar Marlene Correa, "[o] programa de computador estragava o tempo todo. Além disso, muitos alunos não receberam os cartões, e outros perderam e ficou por isso mesmo".

Em Gravataí, o Colégio Estadual Nicolau Chiavaro Neto, recebeu o computador para controle mas não ganhou o leitor ótico. De forma irônica, uma funcionária do colégio não-identificada diz que nós (o pessoal do colégio) "[e]stamos aguardando ansiosamente". O Sistema de Acompanhamento da Freqüência Escolar (Safe), nome oficial do projeto, está fora de operação, como diz a reportagem.

Uma das amostras evidentes do Safe é que, embora lançado com toda pompa (incluindo discurso presidencial), nenhum orgão do governo quer falar sobre o assunto. O Ministério da Educação diz que o Safe seria de responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A mesma resposta foi dada pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), que forneceu o sistema para as escolas. Após três contatos, o Ministério da Educação disse que "o Projeto Presença (no qual o Safe estava incluído) não existe mais e foi absorvido pelo Educacenso". Mas a melhor parte da campanha de não-informação do fracasso, dito e comprovado pelo governo, é o fato de não haver a divulgação de quanto foi gasto com tal perda de tempo, dinheiro e privacidade; se o projeto funcionasse e fosse extendido para todas as escolas públicas brasileiras, o custo de instalação ficaria entre R$ 100 milhões e R$ 120 milhões. Zero Hora estimou um desperdício de meio milhão de reais para os 500 computadores comprados pelo Serpro para tal fracasso.

Um quadro da reportagem mostra como o sistema funcionaria. O problema do quadro é um quadro chamado "O que o país perde", dando a entender que o projeto seria uma grande coisa para os stakeholders da educação pública. Tal quadro diz uma inverdade ao supor que tal sistema isentaria as escolas de alertarem as autoridades competentes em caso de evasão escolar. Só que o grande problema da reportagem é o fato dela simplesmenta não mencionar uma palavra sobre a privacidade dos alunos e o controle infernal e totalitário que este sistema teria sobre cada estudante de escola pública, como se estudante de escola pública renunciasse ao direito de privacidade. Com isso não dá para saber se existe pais contrários a tais medidas, uma vez que no Reino Unido e nos EUA, tal medida encontra forte oposição.

O revés do Safe não me surpreende muito, uma vez que um programa de envergadura semelhante como a Agência de Suporte as Crianças (CSA) do Reino Unido se mostrou um desastre total. E isso que estamos falando de um país com muito mais recursos, financeiros e materiais, do que o Brasil. Outro ponto falho do programa é o fato de utilização de impressões digitais, que este blog já demonstrou ter possibilidade média de falsificação e uso recomendado para operações pessoais e individuais e não para uso maciço por milhões de pessoas. Além disso, temos que deixar claro que o simples fato da criança passar o cartão e deixar ler uma impressão digital (se o sistema a aceitar, é claro) não quer dizer que a criança realmente esteja na aula, mas sim, que esta apenas passou o cartão na leitora e fez ler sua impressão digital. Ao contrário do que se pensa, tal sistema não tem como dizer se o aluno está na sala de aula.

This post has an English version:
"Kids' fingerprints are safe again"

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