O Zero Hora está com uma séria de reportagens intitulada "Drible na Justiça" onde se mostra que torcedores judicialmente banidos de estádios de futebol frequentam tais locais livremente. A série traz duas entrevistas, uma com Giovani Luigi, presidente do Inter, e uma com Paulo Odone, presidente do Grêmio. Vamos com Luigi:
Zero Hora — O senhor sabe que torcedores proibidos de entrar no Beira-Rio continuam no estádio?
Giovanni Luigi — Quais os nomes?
ZH — Um deles se chama Gabriel Bassani. Flagramos esse torcedor no jogo contra o Cruzeiro.
Luigi — Eles devem estar entrando com outra identidade, outro cartão de sócio, algo assim, deve ser. Eles podem estar entrando com ingressos.
ZH — O Estatuto do Torcedor manda os clubes afixarem a lista de torcedores impedidos em todas as entradas do estádio. Por que isso não é feito?
Luigi — Isso eu posso mandar fazer hoje. É uma coisa simples. Só que pela quantidade de pessoas que entram no estádio, não tem como ficar conferindo a lista.
(...)
ZH — Não se poderia adotar uma medida como a exigência da apresentação da carteira de identidade? Isso não inibiria os infratores?
Luigi — Isso trancaria o acesso. Operacionalmente é inviável.
Imagina o seguinte: o Inter tem uma média de 27.537 de torcedores pagante. Se a tal checagem que Zero Hora propõe durasse 1 minuto por torcedor, teríamos 27.537 minutos de checagem, ou aproximadamente 459 horas de trabalho por jogo, uns R$ 1.300 se usarmos o salário-mínimo. E Luigi fala que tal exigência, absurda, é operacionalmente inviável, algo que pode ser demonstrado factualmente pelo exemplo paulista.
A seguir, Zero Hora fala com Paulo Odone, presidente do Grêmio:
A seguir, Zero Hora fala com Paulo Odone, presidente do Grêmio:
ZH — Mas na Europa os clubes também cumprem sua parte, fiscalizando o acesso dos torcedores aos estádios.
Odone — Eu não tenho como impedir que um cara compre o ingresso e entre aqui. Juridicamente não tem como, pelo menos pelo que eu conheço. Quem pode fazer algo é o juiz, que emite a pena alternativa. Proibir por seis meses, um ano, o que o juiz achar. E, pior, mandar o cara se apresentar em um ambiente policial.
ZH — Temos cópia do documento no qual o juiz ordena que o clube fiscalize a entrada desses torcedores, conforme manda o Estatuto do Torcedor. O que o clube fez?
Odone — A única maneira de cumprir a decisão judicial, tu ligas para o juiz e podes dizer: "Olha, o presidente do Grêmio diz que a maneira única de controlar é penalizar esse réu a comparecer todos os dias de jogos, ele querendo ou não ir aos jogos, na Brigada ou na polícia. E pede para a autoridade policial prestar contas ao juiz". Se o cara não for lá, manda prender, bota na penitenciária.
ZH — A lei determina que os clubes coloquem, em todos os portões de acesso ao estádio, a relação dos torcedores proibidos de entrar. Por que o Grêmio ignora a lei?
Odone — Aí tu vais ter de falar com meu jurídico, eu não sei te responder se isso é viável.
ZH — É viável, é o que manda a lei. E as câmeras? O Grêmio tem um sistema de monitoramento que poderia ser usado. Por que isso não é feito?
Odone — Todas essas câmeras estão localizadas em um centro, que é acompanhado pela Brigada Militar e está à disposição do juizado. É uma salinha onde as imagens passam ao vivo. Eles podem fazer a intervenção na hora. Agora, é impossível em um jogo com 30 mil, 40 mil pessoas ter funcionários do Grêmio olhando isso na multidão. Não tenho como.
Calma colorados. Eu não dei mais espaço para o Odone pelo fato deste que vos escreve ser um gremista. É que as duas falas, de Odone e Luigi, complementam-se. O que mais me chamou a atenção foi a fala do repórter que diz que algo é viável por que a lei determina! E está pronta a argumentação, para que lidar com questões secundárias como verificar individualmente dezenas de milhares de torcedores ansiosos para entrar no estádio. Aliás, uma técnica "avançadíssima" foi a colocação de fotos impressas com o nome dos elementos judicialmente banidos (que, deveriam estar numa unidade policial no horário do jogo, diga-se de passagem), onde a Brigada Militar conferirá (não sei se um a um ou por amostragem) os torcedores com as fotos.
Mas seria injustiça eu não mostrar que a série de reportagens não traz soluções. O primeiro caso que eles citam é a Inglaterra:
InglaterraNa Inglaterra, o ingresso só pode ser vendido para quem apresentar documento de identidade. No Beira-Rio e no Olímpico, não é necessário.
Em boa parte dos estádios, o nome do comprador é impresso no ingresso. Na catraca, no momento em que o torcedor entra, os funcionários do clube podem pedir um documento para batê-lo com o nome impresso no tíquete.
Isso coíbe a entrada de torcedores proibidos de assistir aos jogos – os infratores ficam em dúvida se alguém pedirá sua identificação na catraca.
Que documento de identidade é este? Aqueles que foram extintos pelo Ato de Documentos de Identidade de 2010? Ou aqueles cujo banco de dados foi fisicamente destruído (por ordem do dito Ato)? OK, e baseado na hipótese que a identificação positiva de todos os torcedores coibisse a violência dentro dos estádios, o que esta hipótese seria útil fora dos estádios? E temos o exemplo da Argentina:
ArgentinaEstá prevista para 2013, na Argentina, a implantação do sistema de identificação em estádios mais moderno do mundo. Todo torcedor terá um cartão com a marca de sua impressão digital.
Ao comprar o ingresso para um jogo, seu cartão é liberado apenas para aquela partida. Na catraca de acesso ao estádio, ele deve passar o cartão e, depois, colocar seu dedo em um sensor, para confirmar que se trata da mesma pessoa.
Desta forma, não há como alguém entrar sem estar devidamente identificado. Nas catracas, câmeras filmarão o rosto de todas as pessoas que ingressarem nos estádios.
Quem vai bancar o novo sistema, que custará cerca de US$ 60 milhões, é a Associação do Futebol Argentino, equivalente à CBF no Brasil. Como os cartões terão propagandas, a ideia é quitar os custos entre três e cinco anos.
Temos uma versão mais medonha da carteira do torcedor. Como se sabe, biometria é à prova de fraude (e agora frauda-se até íris, que era a indevassável!)... Alguém por favor chame o juiz Julier Sebastião da Silva!
Zero Hora também entrevista o promotor Paulo Castilho, idealizador das leis anti-arruaça nos estádios. É aquele papo de ter delegacias, promotorias e varas especializadas para o tema (se continuarmos assim, logo teremos delegacias, promotorias e varas especializadas em furto de senhoras sino-brasileiras entre 45 e 46 anos de idade ocorrido em mercados públicos). Castilhos também tem uma fé na ideia de torcidas serem inscritas no CNPJ e terem estatutos sociais. Como se fosse impossível marcar brigas se tu não tiveres registro na Receita Federal. O melhor foi o único comentário (até o momento):
Edue porque não prender este "elemento infrator" que foi indevidamente ao estádio por desobedecer a justiça? seria o mais simples e correto... quem sabe fica mais delicado na cadeia...24/07/2012 | 07h40
Aparentemente é mais inteligente azucrinar a vida de milhares de torcedores ao invés de isolar alguns arruaceiros.
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