Recordar é viver. No dia 27 de outubro de 2006, eu bloguei que a ANS queria implementar o uso do Cartão Nacional de Saúde (CNS) para os usuários de plano de saúde. Hoje, Folha de S. Paulo reporta que:
Cerca de 30 milhões de usuários de planos de saúde foram cadastrados pelo Ministério da Saúde e ganharam um número de Cartão SUS.
(...)
Agora, com o número associado ao usuário do plano de saúde, o ministério pretende facilitar a identificação de pessoas que pagam pelos planos de saúde, mas são tratadas pelo SUS. E, dessa forma, cobrar dos planos de saúde o ressarcimento pelo serviço.
Pois bem, isto tudo está apoiado no art. 20 da Lei 9.656 de 1998 que diz:
Art. 20. As operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei são obrigadas a fornecer, periodicamente, à ANS todas as informações e estatísticas relativas as suas atividades, incluídas as de natureza cadastral, especialmente aquelas que permitam a identificação dos consumidores e de seus dependentes, incluindo seus nomes, inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas dos titulares e Municípios onde residem, para fins do disposto no art. 32. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)Pois só no Brasil é que existe tamanha interferência nos planos de saúde, já que eles são obrigados pelo art. 32 da mesma lei a ressarcir o SUS, mesmo que o direito à saúde seja constitucionalmente garantido. Só que a ANS diz o seguinte sobre o CNS:
§ 1o Os agentes, especialmente designados pela ANS, para o exercício das atividades de fiscalização e nos limites por ela estabelecidos, têm livre acesso às operadoras, podendo requisitar e apreender processos, contratos, manuais de rotina operacional e demais documentos, relativos aos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei. (Renumerado pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
§ 2o Caracteriza-se como embaraço à fiscalização, sujeito às penas previstas na lei, a imposição de qualquer dificuldade à consecução dos objetivos da fiscalização, de que trata o § 1o deste artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Ora, se o CNS é irrelevante para o atendimento, então por que jogar os usuários, presumo eu sem nenhum tipo de comunicado, para tal base de dados? Para quem não conhece o CNS o Ministério da Saúde tem uma cartilha interessante sobre o assunto. Primeiro, eles falam dos princípios da coisa:Em relação à obrigatoriedade do Cartão Nacional de Saúde (CNS) para os atendimentos pelo SUS a partir de 01/03/2012, e pelos planos de saúde a partir de 05/06/2012, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) esclarece que
1) Nenhum beneficiário de plano de saúde poderá ter seu atendimento negado por parte dos prestadores de serviços caso não esteja de posse do CNS. Da mesma forma, nenhum beneficiário poderá ter seu plano de saúde cancelado devido à ausência do número do CNS. Os beneficiários não precisam, necessariamente, se dirigir às unidades públicas de saúde para obter o número do CNS, pois serão desenvolvidos sistemas que permitirão às operadoras de planos de saúde fazer isso automaticamente.
2) As operadoras de planos de saúde deverão informar à ANS os números do CNS de seus beneficiários, conforme previsto na Resolução Normativa nº 250 de 2011. O Ministério da Saúde e a ANS criarão meios eletrônicos para facilitar que as operadoras façam o registro dos seus beneficiários no cadastro do CNS. A data prevista na RN 250 para o envio destas informações é 05/06/2012. No entanto, a data está sujeita a alterações.
3) O uso do CNS por todos os cidadãos brasileiros é uma estratégia para integrar os cadastros do SUS e da Saúde Suplementar, proporcionando melhorias na gestão da saúde no país, como o ressarcimento ao SUS pelos atendimentos prestados na rede pública a beneficiários de planos de saúde. Para o cidadão, o número do CNS possibilitará o registro eletrônico único nas bases de dados dos hospitais públicos e privados, bem como nos planos de saúde. (grifo meu)
• Privacidade
Qualquer informação identificadora ou diretamente relacionada com os usuários, decorrente da utilização do cartão, tem caráter confidencial e está sujeita às normas éticas e legais que regulam o acesso aos registros de saúde e aos prontuários médicos e o seu uso, bem como às sanções legais, civis, administrativas e penais, se comprovada a quebra de sigilo.
É impressionante como eles confundem o conceito de privacidade com o conceito de segurança de dados. Não é porque o banco de dados está seguro que não houve violação à privacidade. Pela lógica do Ministério da Saúde, não haveria nenhum problema em filmar os atos sexuais das pessoas para certificar que elas usem preservativos desde que as filmagens não vazem. E para variar, não houve nenhum tipo de discussão pública sobre o assunto. Simplesmente a tecnologia vem e nós devemos idolatrá-la cegamente. Continuando, eles citam como objetivo do cartão "criar um registro eletrônico de saúde (RES) de cada cidadão". O que diabos seria um RES ninguém sabe. O que teria lá ou que lei autoriza isso é segredo de estado. E parecendo repetitivo, quando houve discussões sérias sobre o assunto onde os prós e os contras foram confrontados.
Aí eles citam como "benefícios" do cartão:
para usuários: mais rapidez no atendimento com o acesso aos bancos de dados para identificação imediata do usuário; marcação rápida de consultas e exames; acesso a seu histórico de saúde pela Internet.
Bom, quanto a última premissa, basta ver o fracasso do Google Health (que foi desativado por falta de interesse). Quanto as duas outras premissas, elas tem mais a ver com a disponibilidade de recursos médicos do que com a identificação unívoca dos usuários. Do que adianta tu saberes quem é teu paciente em frações de seugndo (presumindo que o sistema funcione) se o procedimento só será agendado para daqui a meses.
E, por fim, já bloguei sobre quão sofisticado e eficiente o CNS, que chega a usar cartolina em seus cartões! Ou que é preenchido a mão, em 2012.
O que me alenta é que não estou sozinho na crítica ao Cartão Nacional de Saúde.
P.S.: Adorei o título da reportagem sobre o tema no Portal Segs: "Controle total dos pacientes"
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