Num país assolado pela violência, o que deve ser feito para diminui-la? Construir mais presídios, investir em treinamento dos agentes policiais? Não na Terra do Futuro. Uma das propostas doentias (se é que existe alguma decente) é o PLS 140/2007, que autoriza a quebra do sigilo bancário sem ordem judicial. Abaixo, a lista do que deixaria de ser sigiloso:
§ 5º Não são dados sigilosos para os fins de investigação de ilícito penal:
I – os cadastrais, que informam nome, endereço residencial ou comercial, estado civil, registros de identidade e de cadastro de pessoa física ou jurídica;
II – os que informam em quais instituições financeiras a pessoa mantém contas de depósitos, aplicações ou investimentos, assim como os números dessas contas e respectivas agências;
III – os que informam se a pessoa possui ou não capacidade financeira ou patrimonial para realizar determinadas operações ou transações com determinadas quantias;
IV – os valores globais mensalmente recolhidos de Contribuição Provisória de Movimentação Financeira (CPMF), com a respectivaidentificação do contribuinte e da instituição financeira;
V – os sigilosos, cuja revelação seja expressamente consentida pelos interessados;
VI – os obtidos mediante auditorias internas, realizadas pelas instituições financeiras, ou externas, por empresas contratadas para tal fim;
VII – a movimentação financeira em contas bancárias de instituições públicas, ou de instituições em que o Poder Público detenha a prerrogativa de indicar a maioria dos administradores. (NR)”
Então, é o seguinte. Basta um procurador ou policial que tem alguns issues com terceiros para que estes possam dar uma boa xeretada na tua vida bancária. E claro, tu não tens como, por exemplo, saber quem espionou teus dados e nem o fim que deu deles.
E vamos para justificativa. Vamos ao primeiro trecho de interesse:
As novas exceções ao dever de sigilo não possuem qualquer conteúdo que fira a intimidade e a vida privada das pessoas, uma vez que, em primeiro lugar, apenas informam dados básicos e acessórios sobre suas vidas, como nome, endereço, em que banco possuem contas, se detêm capacidade financeira para fazer certas transações, entre outros, que em nada se opõem à garantia constitucional esculpida no inciso X do art. 5º da nossa Lei Maior, e, em segundo lugar, constituem dados que se dirigem exclusivamente ao próprio Estado – nenhuma entidade privada poderá a eles ter acesso.
Realmente não existe nenhuma violação da privacidade em permitir que um burocrata saiba aonde tu tens conta-corrente, teu endereço e teus dados pessoais que podem ser utilizados para fins ilícitos (como roubo de identidade). E para completar, a medonha desculpa que os dados se dirigem ao estado. Eu prefiro que uma entidade privada tenha acesso à informações pessoais minhas quando há o meu consentimento do que ser bisbilhotado sabe lá por quem. E como se o governo também soubesse proteger dados pessoais. Vai no centro de São Paulo capital, Carequinha, e compre aqueles CDs que provam como o estado cuida bem dos dados pessoais que ele arranca à força das pessoas. Aliás, sr. Torres, por que o senhor não faz público os dados bancários seus referentes ao teu PLS?
Continuando nossa jornada espiritural pelas profundezas píricas da justificativa do PLS nos deparamos com outro argumento 1/51564894511889 de neurônio:
Outra exceção são os valores globais de CPMF. Por serem globais e de base mensal, em nada ferem a intimidade e a vida privada das pessoas, pois são apenas números, desacompanhados de referências de pagamentos, origens ou destinos. A principal utilidade deles é o cruzamento com a renda declarada do contribuinte, procedimento de inegável utilidade pública, pois identifica claramente aqueles que cometem crimes contra a ordem tributária, modalidade criminosa tão danosa para a implementação das políticas públicas.
Em primeiro lugar, o simples fato de saber quanto uma pessoa paga de CPMF é violação da privacidade já que os atos originadores da CPMF são dados, digamos assim, protegidos pelo sigilo bancário (transferências und so weiter). E em segundo lugar, qual a utilidade de querer saber os montantes recolhidos de CPMF quando a base de comparação só pode ser acessada por meio judicial?
E como se diz por aí, the best for last! No melhor do "crime é causado pela sociedade":
Não há qualquer razão plausível para que o próprio Estado delas não possa ter acesso em nome do interesse público, postura equivocada que apenas o deixa refém da sociedade civil, uma vez que a proteção dessas informações, hoje, só serve para atrasar o trabalho investigativo da polícia e do Ministério Público, atolar ainda mais o Judiciário e dar tempo para os criminosos garantirem o produto e o proveito do crime. (grifo meu)
Que perigo! O estado sendo refém da sociedade civil. Devemos abortar imediatamente qualquer medida que coloque o estado como refém da sociedade civil como o direito de processar o estado, plebiscitos e até o voto em si. Vai ver por isso que o sr. Torres é careca; deve ter superaquecido o cérebro tão forte que cozinhou os folículos capilares. E esta tal desculpinha bisonha do suposto "seqüestro do estado" (num país com carga tributária de 40%) pode ser utilizada por qualquer tirano de plantão. Esta declaração per se já é demonstração clara e inequívoca de que o sr. Torres está pouco se lixando para a privacidade. E continuando com a imposição de culpa na sociedade (a tal "seqüestradora" de estado), sr. Torres afirma que a atual proteção (quase inexistente) só "serve para atrapalhar o trabalho investigativo" e "[para] atolar ainda mais o Judiciário". Agora, Zé Careca alega que a atual e mixuruca proteção do sigilo bancário só atrapalha, como se todas as pessoas fossem automaticamente suspeitas de crimes financeiros só por terem uma conta. E se falando de "atolar ainda mais o Judiciário", Zé Careca se esqueçe que o seqüestrado (estado) tem prazo em dobro nos deadlines dos processos e que este é o grande entupidor de tribunais de apelação por todo o Brasil.
Quando um projeto de lei que versa sobre sigilo é questionado por Aloizio Mercadantee pelo atual presidente da OAB, isto significa que o projeto é um ataque frontal impiedoso contra a privacidade.
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