Zero Hora traz uma reportagem mostrando como empresas financeiras estão indo atrás de aposentados e pensionistas para oferecimento de empréstimos, muitas vezes indo atrás do aposentado antes mesmo de ele saber que sua aposentadoria foi autorizada pelo INSS. E como eles fazem isso? Acertou quem disse acessando os dados armazenados no INSS. Como diz a reportagem:
O sossego da aposentadoria, idealizado ao longo de uma vida de trabalho, ganhou momentos de estorvo para quem sofre com o assédio comercial de bancos e financeiras. Se valendo do acesso a informações sigilosas, instituições procuram insistentemente os idosos com ofertas de empréstimo consignado.
As empresas que promovem as práticas nem sempre observam as regras de proteção ao sigilo do segurado do INSS. Sem dificuldades, a reportagem esteve em um destes estabelecimentos com o CPF de uma terceira pessoa aposentada. Foi possível fazer simulações de crédito em nome dela, o que é vedado.
Eis como funciona o sistema:
A falta de controle sobre informações confidenciais culmina em sucessivas ofertas de crédito consignado: são ligações telefônicas de diferentes lugares do Brasil, algumas feitas até pela madrugada por robôs, além de mensagens de texto e por aplicativos como WhatsApp. Dezenas de contatos em um mesmo dia. Cartas também são enviadas pelo Correio.
Antes mesmo de serem notificados sobre a concessão do benefício pelo INSS, os recém-aposentados são bombardeados pelos bancos e seus correspondentesComo reconhece o próprio INSS:
O INSS aponta a existência de falhas na proteção aos dados, armazenados pelo seu braço operacional, a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev). O descontrole levou o próprio INSS a abrir uma investigação interna, com apoio do Ministério Público e da Polícia Federal, para averiguar possíveis vazamentos de dentro da instituição.
E é esse o governo que quer ser virtualmente isento de qualquer obrigação "imposta" pela lei geral de precarização da proteção de dados pessoais. E é o mesmo governo que quer coletar ainda mais dados pessoais, enumerar pessoas pelo número no CPF e compartilhar dados por toda a administração pública usando conceitos esotéricos como "uso compartilhado de dados". A reportagem então demonstra como incia-se o processo:
A reportagem informou portar o CPF de um homem com o intuito de fazer uma simulação de crédito. A atendente mencionou a necessidade de o titular fazer o procedimento de pré-autorização, mas, ainda assim, partiu para uma consulta não autorizada. Depois de trocar algumas informações com um interlocutor pela internet, para quem forneceu o número do CPF, recebeu de volta um "extrato de pagamentos", documento que traz todas as informações do aposentado.
A página foi impressa e, no seu pé, constava o endereço virtual do Dataprev, o que indica que ela foi emitida a partir do sistema do INSS. No extrato entregue pela AneCred a um terceiro constavam dados como o número do benefício, o tipo de aposentadoria, a agência bancária do pagamento e o valor bruto, líquido e os descontos do contracheque. Pelas normas do INSS, o extrato de pagamentos é um serviço que só pode ser acessado pelo cidadão titular do benefício.
Quem seria esse interlocutor? Como ele consegue ter acesso ao extrato de pagamentos? Esse é o nó górdio da questão, que inclusive é discutida numa reportagem acessória:
O INSS inaugurou uma força-tarefa para averiguar, com apoio da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, mas não há data para a conclusão dos trabalhos. A hipótese levantada pelo órgão previdenciário como mais provável é o vazamento destas informações. A reportagem solicitou à assessoria de imprensa e também via Lei de Acesso à Informação (LAI) a lista de eventuais servidores que responderam a processos administrativos disciplinares nos últimos dez anos por suposta prática da fraude, mas a resposta foi de que "não há dados consolidados".
A reportagem teve acesso a um dos contratos que o INSS firmou com cerca de 14 bancos e sem surpresa alguma, o contrato não explicita "quais dados dos aposentados são franqueados." E lembrando que a lei de precarização da proteção de dados pessoais ainda não está em vigor, então, qualquer discussão sobre essa situação terá que ser feita no fraquíssimo e praticamente inexistente arcabouço jurídico de proteção de dados atual.
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