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Justiça federal no RS barra abertura indiscriminada de sigilo fiscal

A Justiça Federal de Novo Hamburgo rejeitou uma escandalosa ação civil pública proposta por Celso Antônio Três (sim, o próprio!) que tinha este singelo pedido:
I – DO OBJETO
A presente ação, sem adentrar a qualquer dado de natureza pessoal, busca disponibilizar a qualquer do povo saber tão somente quanto cada pessoa física(CPF) e jurídica(CNPJ) recolhe de tributos à UNIÃO, instrumentando a cidadania na vigilância da prestação de contas, tanto nos gastos quanto na exação, a que está obrigado o Estado Brasileiro.
Isto é o primeiro parágrafo! Depois é um amontoado de notícias que ele traz, desde complexidade do sistema tributário (algo que o objeto da ação nada tem a ver) até casos suspeitos de sonegação fiscal (que certamente não diminuiriam caso o objeto da ação fosse aceito). A ação judicial é tão sem noção que até Ministério Público é escrito em latim:
Neste âmbito, tanto na legitimidade do MINISTERIUM PUBLICUM quanto na tutela da ação civil pública a este objeto, há sobrado amparo.
Sim, o negrito e o itálico em "ministerium publicum" são do texto! Ah, e este termo é repetido mais duas vezes com a mesma formatação. Bem, no dia 2 de setembro de 2014, a juíza federal Catarina Pinto rejeita a ação do sr. Três. Olha como começou a sentença:
Fundamentação


Preliminares
Inépcia da inicial: a inicial é inepta quando verificada quaisquer das causas elencadas no parágrafo único do artigo 295 do CPC; a alegação de que o pedido final não terá como decorrência lógica parte de sua fundamentação, por si só, não é causa de inépcia da inicial, uma vez que sua análise confunde-se com o próprio mérito do pedido.

Inadequação da via eleita: o réu sustenta que a ação civil pública não pode ser substitutiva de ações de controle concentrado de constitucionalidade; todavia, o pedido desta ação civil não se enquadra como hipótese de controle concentrado, pelo que afasto a preliminar.

Vedação ao ajuizamento de ACP em matéria tributária: ainda que o o MPF não detenha legitimidade para questionar tributos em sede de ação civil pública, a presente ação veicula pedido diverso, qual seja, a criação de site que informe o valor de tributos federais pagos pelas pessoas físicas e jurídicas.
Impossibilidade jurídica do pedido: a alegação confunde-se com o próprio mérito.
Ilegitimidade passiva da União: a União alega não ser parte legítima em relação aos tributos federais em que não seja sujeito ativo. O fato de não ser o sujeito passivo, por si só, não a impede de ser demandada em relação ao presente pedido, pois não se está questionando o tributo em si, mas apenas a disponibilização dos valores arrecadados.
Litisconsórcio passivo necessário: a ré requereu a citação de todos os contribuintes de tributos federais, por edital, uma vez que tal pretensão afetaria sua esfera jurídica. Sem razão, uma vez que eventual procedência estará calcada na possibilidade legal e constitucional do pedido, sendo desnecessário citar todos os contribuintes.
Limitação territorial à abrangência da Subseção Judiciária de Novo Hamburgo: embora o artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública limite a eficácia dos provimentos jurisdicionais à limitação territorial do órgão prolator, tal limitação fere a garantia constitucional da efetividade da jurisdição, além de permitir decisões contraditórias em relação a uma mesma situação posta, caso o MPF ajuizasse demanda semelhante a esta em cada uma das Subseções Judiciárias (nesse sentido, TRF4, APELREEX 5007180-81.2011.404.7102, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 22/08/2014; Proc. 2000.71.00.009347-0/RS, Apelação, TRF4, 6ª Turma, Decisão de 27.07.2005, unânime, DJU de 10.08.2005, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira). Note-se o que o próprio STJ alterou seu entendimento, estabelecendo que o alcance da sentença proferida em ação civil pública deve levar em consideração a extensão do dano e a qualidade dos  interesses metaindividuais postos em juízo (REsp n. 1243887/PR).
O representante do "Ministerium Publicum" precisaria corrigir muitas coisas na sua ação civil pública. Adorei o litisconsórcio passivo. Já pensaste que charme seria intimar TODOS os contribuintes do Brasil a participar dum processo? Que tal marcar audiências? E o tempo para ler as respostas escritas? Lá no mérito da ação, a sra. Pinto diz o seguinte:
A disponibilização dos valores de tributos federais pagos por todas as pessoas físicas ou jurídicas a qualquer um do povo, a meu ver, importa em quebra de sigilo fiscal, uma vez que não há prevalência do interesse público sobre o privado nem tampouco autorização judicial específica. Tal determinação equivaleria a 'transformar as repartições públicas em algo escancarado à curiosidade externa', tal como exarou o Desembargador Federal Candido Alfredo Silva Leal Junior, quando do julgamento da AC 5006227-26.2011.404.7003, anteriormente citada.
Na realidade, o MPF manifesta muito mais uma inconformidade com o atual sistema tributário, sob seus aspectos legislativos, judiciais e administrativos. No entanto, essa sua inconformidade não pode ser fundamento para provimento de seu pedido.
Note-se que o MPF dispõe de instrumentos adequados para exercer seu papel constitucional, sendo desarrazoado determinar que qualquer um do povo possa acessar o valor de tributos pagos por qualquer outra pessoa física ou jurídica.
A quem compete exercer o papel fiscalizatório na seara tributária (Receita Federal, PFN, MPF, Polícia Federal) são oferecidos os devidos instrumentos processuais.
Resumo da ópera: esta ação civil pública nada mais foi um meio para que o "Ministerium Publicum" pudesse expressar uma mera opinião política. Aliás, um meio cara e inapropriado, pois este tipo de discussão é típica do Legislativo. Além da questão da fiscalização em si.

Certamente o senhor Três recorrerá desta decisão mas é uma boa notícia tal decisão judicial.

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