Conforme eu bloguei anteriormente, o Ministério Público Federal de Goiás quer acabar com o sigilo de prontuários médicos por meio da Ação Civil Pública 26798-86.2012.4.01.3500. No dia 3 de outubro de 2012, o juiz federal substituto Társis Lima concedeu uma antecipação de tutela em favor da demanda do MPF.
A decisão é uma leitura e tanto. Lima diz:
Pois bem, o sigilo médico-paciente atende a uma função, não sendo um fim em si mesmo. E essa função é a de resguardar o pleno exercício da medicina. Sem a confiança no sigilo do médico, pode-se comprometer o próprio tratamento do paciente.
(...)
Como bem salientado pelo Conselho Federal de Medicina em suas informações preliminares, o sigilo médico não se extingue com a morte do paciente. É dever e garantia do médico a manutenção do segredo acerca do que lhe tenha sido confidenciado pelo paciente.
Sim, isto está nos méritos da decisão, algo que, a princípio, contraria toda a raison d'être da antecipação de tutela. Se o médico tem o dever da manutenção do segredo, então como esta manutenção tem que ser expressamente requisitada pelo paciente? Isto não deveria ser automático?
Depois, creio que isto seja a razão fundamental da antecipação de tutela:
Tu não estavas esperando uma revisão detalhada da história da privacidade no mundo ocidental, certo? Nem eu. O cerne da decisão baseia no fato da "natural proximidade gerada pelo vínculo familiar", como se isto abrogasse o direito de privacidade e individualidade que todo o ser humano tem. Se for assim, então basta ter uma "natural proximidade" que qualquer um poderia fazer uma devassa na vida alheia. Aí, Lima cita exemplos de leis doutros países e outros casos em que pode se acessar o dado do morto sem autorização judicial. Lima, então, solta outra:
Um exemplo de cada vez. A questão da notificação compulsória é o seguinte: ninguém sabe sua utilidade prática e ela nunca foi testada judicialmente. Já a revista policial, quase sempre é feita anonimamente e não versa sobre dados sensíveis como exames de saúde, transcrição de consultas psiquiátricas e tal. E no terceiro caso, nós estamos falando de pessoas que tiveram suas liberdades restringidas por terem cometido um crime e terem uma punição judicialmente administrada.
No fim, o sr. Lima legisla ao requerer que o paciente expresse claramente objeção de divulgação do prontuário. Bom, aparentemente só no Brasil que o sigilo médico só se exerce se a pessoa exigir que os dados tenham sua divulgação embargada; em qualquer lugar do mundo, somente se a pessoa autorizar a tal divulgação. E agora o seguinte, nós teremos que notificar individualmente todos os médicos com quem lidamos para impedir a divulgação de algo que já é proibido pelo Conselho Federal de Medicina. Isto causaria a emissão de dezenas de milhões de objeções, um pesadelo administrativo. E quais as formalidades de tal objeção? Ela é retroativa? Como funciona? Com a palavra, o Sr. Lima.
Lima também impõe "deveres" àqueles que obtiveram acesso aos dados de não abusar do "direito" de acesso à informação do falecido. Eu não sei por que Lima não criou regras para definir o "abuso". E quem fiscalizará o uso das informações? O Sr. Lima? A Associação de Moradores?
E para encerrar a antecipação, o Sr. Lima ordena o Conselho Federal de Medicina a permitir o acesso dos dados de prontuários do morto até o dia 13 de outubro, sob pena de multa diária de R$ 50.000 (indenização que nenhuma pessoa conseguirá se seus dados sensíveis forem violados e/ou divulgados).
Eu já pedi acesso ao maravilhoso inquérito que deu início a esta ação judicial:
Depois, creio que isto seja a razão fundamental da antecipação de tutela:
A literatura universal e história do direito revelam que, dos segredos encontrados pelos familiares em cartas e correspondências, diários e demais registros pessoais do morto, elucidam-se fatos importantes acerca da sua morte.
Esses registros, embora muitas vezes revelem aspectos recônditos da pessoa morta, são acessados após a morte sem a necessidade de prévia autorização judicial, e resultam da natural proximidade gerada pelo vínculo familiar.
Do rol dos direitos à privacidade (sic), nem todos exigem intervenção judicial para sua mitigação em vida. São inúmeros os exemplos. Cito três: notificação compulsória de doenças infectocontagiosas, revista pessoal realizada pela polícia em portos, aeroportos, alfândega, e o exame de correspondência de pessoas presas.
No fim, o sr. Lima legisla ao requerer que o paciente expresse claramente objeção de divulgação do prontuário. Bom, aparentemente só no Brasil que o sigilo médico só se exerce se a pessoa exigir que os dados tenham sua divulgação embargada; em qualquer lugar do mundo, somente se a pessoa autorizar a tal divulgação. E agora o seguinte, nós teremos que notificar individualmente todos os médicos com quem lidamos para impedir a divulgação de algo que já é proibido pelo Conselho Federal de Medicina. Isto causaria a emissão de dezenas de milhões de objeções, um pesadelo administrativo. E quais as formalidades de tal objeção? Ela é retroativa? Como funciona? Com a palavra, o Sr. Lima.
Lima também impõe "deveres" àqueles que obtiveram acesso aos dados de não abusar do "direito" de acesso à informação do falecido. Eu não sei por que Lima não criou regras para definir o "abuso". E quem fiscalizará o uso das informações? O Sr. Lima? A Associação de Moradores?
E para encerrar a antecipação, o Sr. Lima ordena o Conselho Federal de Medicina a permitir o acesso dos dados de prontuários do morto até o dia 13 de outubro, sob pena de multa diária de R$ 50.000 (indenização que nenhuma pessoa conseguirá se seus dados sensíveis forem violados e/ou divulgados).
Eu já pedi acesso ao maravilhoso inquérito que deu início a esta ação judicial:
Eu gostaria de ter acesso a uma cópia digital e gratuita do Inquérito Civil Público 1.18.000.000716/2011-88 do Ministério Público Federal em Goiás, assim como a cópia digital e gratuita de toda e qualquer comunicação escrita do MPF de Goiás para o Conselho Federal de Medicina e o Conselho Regional de Medicina em Goiás sobre tal inquérito.
Chamado 2372
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