Percival Puggina, um ótimo analista social e o escritor do excelente Cuba: a tragédia da utopia, escreve um interessante artigo sobre o telemarketing.
Alô, é do Congresso Nacional?
Sim? Desculpe, mas não lhes quero vender coisa alguma. Só desejo que alguém, aí, apresente um projeto de lei que restitua aos proprietários de celulares e de linhas de telefonia fixa o direito de não serem perturbados por esse verdadeiro flagelo em que se converteu o telemarketing. E, por favor, desobstruam a pauta para aprovar isso em urgência. É para benefício da população brasileira, certo? Muito obrigado, moço.
Volto ao assunto porque a coisa está piorando. Quando começou, a gente recebia uma ligação dessas por mês, normalmente da empresa de telefonia que nos prestava serviços. Depois passou a uma por semana, a duas por dia, e agora, de cada três chamadas que se recebe, uma é de alguém invadindo nossos ouvidos para vender algo ou pretendendo nos convencer de que proporciona um serviço superior àquele de que dispomos.
A coisa rola deste jeito. O telefone toca. Como de hábito, estou trabalhando e o meu trabalho é escrever. Escrever exige concentração. Trriiimmm! Interrompo o que estou fazendo, as idéias saem pela janela do gabinete e se esparramam no pátio como folhas de papel. Uma voz começa o diálogo: “Alô! Com quem falo?” Conto até dez, vendo as idéias se dispersarem, levadas pelo vendaval da indignação. Respondo: “Por enquanto quem fala é você, moça. Eu só estou ouvindo”. Ela digere a frase e insiste: “Meu nome é Cristina, e estou falando em nome da empresa tal”. Houve um tempo em que eu escutava a Cristina. E ela me debulhava meia dúzia de planos de telefonia, cada qual com três ou quatro valores numéricos (como se fosse possível processar tudo aquilo assim, de estalo), enquanto me interrogava sobre os hábitos da minha comunicação. Arre!
Agora não é mais assim. Cansaram-me. Encerro a conversa rapidamente alegando decisão de diretoria no sentido de não atender esse tipo de ligação. Mesmo assim, ainda que não se aceite conversar, a tortura se multiplica através de uma infinidade de agentes: as campeoníssimas empresas de telefonia, bancos e seus cartões de crédito, desconhecidas entidades filantrópicas dedicadas a nobres causas. E a mais recente ameaça: redes de lojas. Se elas entrarem nessa vou virar ianomâmi e me mudar para a Amazônia. Comunicação só por tambor e sinal de fumaça.
Outro dia, eu estava sozinho em casa. Triiiimmm! Atendi e lá se foram as idéias para o pátio. “Alô!” Era alguém querendo falar com minha filha. Informei que ela não estava. “Muito bem, ligarei mais tarde”. Tento me concentrar novamente e o telefone volta a soar. Acredite, leitor: era o mesmo rapaz e idêntica consulta. Resolvi estrilar: “Mas você acabou de ligar e eu disse que ela não estava! Qual é a sua urgência?” Sabe o leitor qual era a urgência? Ele queria oferecer um computador de mesa que estava em oferta na loja tal com um espetacular desconto de 10%. Isso mesmo. Pode?
Eles acham que pode. Eu acho que não pode. Assim como acho que não pode acontecer o que o Cândido Norberto contou há alguns dias. Ligaram-lhe para oferecer uma pechincha: um excelente velório com cremação e tudo. Portanto, senhores congressistas, ainda que suas telefonistas e secretários interceptem tais ligações, saibam que dezenas de milhões de brasileiros estão sendo vítimas desse suplício e desse desrespeito à sua privacidade. Façam alguma coisa!
Isso não aconteceria se as pessoas tivessem o direito de permitir ou não a divugalção pública de seus telefones.
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