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Cadastramento de torcedores... Já começamos o ano com pé esquerdo

Em ordem cronológica, nós temos o PL 6908/2010 do ex-deputado :-) Carlos Roberto Massa Jr. (PSC-PR), vulgo Ratinho Jr. O PL do senhor Massa emenda o já ineficiente Estatuto do Torcedor (o Brasil deve ser o único local do mundo com um "Estatuto do Torcedor") com a seguinte proposta:
Art. 1º O art. 14 da Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:
“Art. 14 ................................................................................
IV – cadastrar os torcedores e frequentadores dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos com capacidade para mais de vinte mil pessoas, nas seguintes condições e exigências:
a) os torcedores e frequentadores deverão ser cadastrados no ato da aquisição dos ingressos mediante apresentação de documento oficial e comprovante de endereço;
b) a identificação deverá ser feita por equipamento, de forma a associar o dado biométrico ao ingresso e à imagem fotográfica do torcedor ou freqüentador do evento;
c) as entradas e saídas do evento deverão ser monitoradas por meio de equipamentos de gravação de imagem, enquanto houver torcedor ou freqüentador;
d) as informações e imagens obtidas durante o evento deverão ser preservadas por um prazo não inferior a sessenta dias; e
e) as informações e imagens serão utilizadas somente com a finalidade de instrução de inquérito policial, administrativo ou ação judicial.”(NR)
Vamos por partes, como diz Jack, o Estripador. Alguém imagina como seria o controle de frequentadores numa Corrida de São Silvestre ou outro evento esportivo público do gênero? Imagina como seria o controle de pessoas na Meia Maratona Internacional do Rio de Janeiro e seus vários quilômetros de extensão? Um controle a cada quadra?

E não apenas o torce(sofre)dor tem que apresentar um documento de identidade, mas ele também deve apresentar um comprovante de endereço. Eu acredito que o desgoverno federal já deve fazer campanhas nos países que virão para a Copa do Mundo para pedir que seus nacionais tragam comprovantes de endereço atualizados como contas de luz, telefone, água, gás, contratos de aluguel ou escrituras. E se bem conheço as figurinhas, é melhor alertar para que se traduzam os tais comprovantes e os legalizem na autoridade consular brasileira mais próxima! E se isto não fosse o bastante, os torcedores deverão passar por um processo que o o juiz federal Julier Sebastião da Silva designou como "absolutamente brutal, atentatório aos direitos humanos, violador da dignidade humana, xenófobo e digno dos piores horrores patrocinados pelos nazistas". Para quem não sabe, o sr. Silva estava se retratando à coleta de impressões digitais por parte das autoridaes migratórias dos EUA.

Repetindo pela 1.556.305.899ª vez os casos de fraude com biometria (só os casos contra o Detran-SP já são suficientes), ou os problemas com as fantásticas urnas biométricas, ou como clonar impressões digitais, ou as elevadas taxas de erro da biometria por impressão digital, ou, por fim, a palhaçada da carteira do torcedor. Isto para não me estender na inutilidade de câmeras de vigilância. E, por fim, o projeto vem com aquela bizarra datação de coleta de dados pessoais com prazo mínimo e sem prazo máximo, o que só deve ocorrer no Brasil.

A ideia deste cadastramento é tão esdrúxula que foi rejeitada na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. Sim, a própria Comissão de Segurança Pública rejeitou o dito cadastro, como se lê no relatório do relator Marllos Sampaio (PMDB-PI):
Porém, há questões operacionais que tornam inviáveis algumas das alterações propostas.

A aprovação dos procedimentos definidos nas alíneas “a” e “b” tornariam a venda de ingressos em uma ação que poderia até mesmo dificultar a realização do próprio evento, uma vez que a infraestrutura para obter dados biométricos e fotografias de todos os torcedores (entre eles crianças e pessoas com mais de sessenta e cinco anos), em eventos como finais de campeonatos de futebol, que, às vezes, reúnem quase sessenta mil torcedores, seria de grande porte.
Até mesmo Renan Calheiros Filho (PMDB-AL) soltou um relatório contra o cadastramento, que foi aprovado na Comissão de Turismo e Desporto. Como diz o relatório:
Dentre algumas das determinações propostas, destacamos a identificação do torcedor por meio de equipamento eletrônico, de forma a associar seu dado biométrico e imagem fotográfica ao ingresso; o monitoramento das entradas e saídas do evento por meio de equipamentos de gravação de imagem; e a preservação das informações e imagens obtidas durante o evento por um prazo não inferior a sessenta dias.

Entendemos que o cadastramento do torcedor nos termos propostos é medida que, ao contrário de contribuir para a segurança dos frequentadores dos estádios, pode ser mais um elemento de confusão e distúrbio na organização dos eventos esportivos. O congestionamento nas catracas pode causar graves perigos e desordens. Além disso, é questionável a real capacidade de todos os clubes conseguirem colocar em prática um sistema confiável de cadastro, controle e seleção de torcedores. Nesse sentido, não acolhemos o cadastramento constante do proposto art. 14, inciso IV, “a” e “b”. (grifo meu)
O especialista em Direito Desportivo Gustavo Lopes levanta dúvidas sobre a eficácia do cadastramento de torcedores para evitar a violência.

"Na Inglaterra, na década de 80, discutiu-se a questão do cadastramento de torcedores e, lá, já na década de 80, entendeu-se que não era uma medida interessante para acabar com a violência. E, mais ainda: o Taylor, que era um juiz de primeira instância que elaborou um estudo bem meticuloso acerca da violência nos estádios de futebol, concluiu, já na época, que o cadastramento de torcedores, além de não acabar com a violência, poderia até aumentar a violência." (link meu)
Isto tudo até 7 de novembro de 2012, data da aprovação do relatório do dep. Calheiros.

Entra 2013. Aparentemente, sem conhecimento da objeção apresentada a um projeto de lei semelhante no Congresso Nacional (o que até evocaria questões de federalismo), o repórter Jocimar Farina (@jocimarfarina) bloga que o vereador Alberto Kopittke (PT) quer propor lei semelhante à Porto Alegre. Semelhante nada! O projeto consegue ser ainda pior para a privacidade do que o PL do sr. Massa. Não apenas os dados biométricos deveriam ser guardados por, no mínimo (o negócio no Brasil é ad æternum), inacreditáveis cinco anos onde ficarão à disposição dos órgãos de segurança pública sem necessidade de mandado judicial e com os custos cobertos pelo estádio. E eis que vem a bomba do projeto. Não apenas haverá a coleta de informações biométricas (que, por sinal, far-se-á sem nenhum controle legal a não ser o livre acesso sem mandado judicial por autoridades de segurança pública e a possibilidade de manutenção eterna dos dados) mas haverá cruzamento de informações:

Art. 1º – Fica obrigada a utilização de Sistema de Identificação Biométrica nas entradas dos Estádios e Sistema de Monitoramento por Imagem, em toda a área de uso comum dos Estádios de futebol com capacidade superior a 10.000 (dez mil) pessoas, no âmbito do Município de Porto Alegre, com base no Estatuto de Defesa do Torcedor, Lei nº 10.671 de 15/05/2003, Artigos 1ºA, 2º e 2ºA.
(...)
§3º – O Sistema deverá permitir o cruzamento, em tempo real com outros bancos de dados disponibilizados pelos órgãos de segurança, tais como:
I – Cadastro de Pessoas Impedias (sic) de Comparecimento às Proximidades de Estádios;
II – Foragidos;
III – Mandatos de Prisão;
IV – Cadastro Atualizado dos Associados ou membros das torcidas organizadas, conforme Art. 2º, parágrafo único do Estatuto de Defesa do Torcedor, Lei nº 10.671 de 15/05/2003;
V – Demais bancos de dados de órgãos públicos, relativos à Segurança Pública e Poder Judiciário. (grifo meu)

Eu não retornarei as questões técnicas de falso-positivo, falso-negativo e o tempo de espera para tal absurdo; é só ler este post ou pesquisar no blog. Quanto ao item IV, há um pequeno problema. O Estatuto do Torcedor diz o seguinte:

Art. 2o-A.  Considera-se torcida organizada, para os efeitos desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade.  (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
Parágrafo único.  A torcida organizada deverá manter cadastro atualizado de seus associados ou membros, o qual deverá conter, pelo menos, as seguintes informações: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
I - nome completo; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
II - fotografia; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
III - filiação; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
IV - número do registro civil; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
V - número do CPF; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
VI - data de nascimento; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
VII - estado civil; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
VIII - profissão; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
IX - endereço completo; e (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
X - escolaridade. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

Em momento algum se fala na necessidade de coletar impressões digitais dos membros de torcidas organizadas. Então, como será possível uma comparação com o "Cadastro Atualizado de Torcedores" se este cadastro não possui a chave de indexação, impressões digitiais, que seriam coletadas nas entradas dos estádios? A não ser que os aparelhos leiam as impressões digitais e magicamente as transformem em fotografias ou nomes completos...

E chego na pior parte do projeto. Que diabos de consulta a "demais bancos de dados de orgãos públicos, relativos à Segurança Pública e Poder Judiciário" seria essa? Desde quando o caro Registro Geral e seu amigo o Consultas Integradas foram criados para acabar com o anonimato nos estádios? Aliás, tal acesso seria permitido por lei e por uma enttidade privada? Só para lembrar, a Constituição de 1988 (aquela que o partido do sr. Kopittke não assinou) só veda o anonimato para liberdade de expressão e o mesmo Estatuto do Torcedor nada fala da obrigatoriedade de identificação de torcedores (ver art. 13-A). Negar-se-á acesso a uma pessoa se ela não estiver nos "demais bancos de dados de orgãos públicos, relativos à Segurança Pública e Poder Judiciário"? Quero ver na Copa se algum torcedor vier dum país onde não há tais bancos de dados...

Finalizando a análise do PL Kopittke, temos uma multa ao descumprimento da lei no valor de 100 mil UFM (Unidade Financeira Municipal), que em 2013 vale R$ 2,9314, ou seja, R$ 293.140. Exemplificando, deixar entrar alguém proibido de entrar num estádio (mesmo que não ocorra nada) é mais caro do que atropelar e matar alguém. Razoabilidade e proporcionalidade!

E na justificativa do projeto (que consegue a façanha de citar a ditadura militar, se bem que na época ninguém precisava ter suas impressões digitais coletadas para entrar num estádio), o sr. Kopittke fala em reconhecimento facial, uma tecnologia que não consegue diferenciar Osama bin Laden de Winona Ryder ou que o Pentágono disse ser problemática.

O sr. Kopittke está pedindo opiniões sobre seu PL. A minha é NÃO a este projeto e ao projeto do sr. Massa!

Comentários

Lucho disse…
Peraí. Até onde eu sei o Ratinho Jr ainda é deputado federal. Quase que ele se tornou ex-deputado para se tornar prefeito de Curitiba.
Rodrigo Veleda disse…
O site da Câmara dos Deputados diz que o Ratinho Jr. está licenciado.

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